terça-feira, 8 de dezembro de 2015

GOLPE? Carta de Michel Temer a Dilma é uma aula de mesquinharia política

Reparem na carta de Michel Temer. Procurem, com lupas, qualquer menção à Lava Jato. 

Qualquer indignação com o tripé empreiteiros-Petrobras-candidatos que detonou o impasse político atual. 

Ou qualquer remorso pelo sobrepreço de obras públicas. 

Qualquer assombro com o papel dos bancos estatais para a aplicação de hormônio no peito dos campeões nacionais. 

Qualquer desassossego com as pedaladas fiscais. 

Qualquer alerta sobre a condução da política econômica hegemônica no tempo em que o vice-presidente (não) se contentava no papel de figura decorativa do Planalto. 

Naquele tempo sobrava dinheiro. Jorrava, junto com o petróleo e as promessas de que o país se tornaria um canteiro de obras para refinarias, estaleiros, cidades portuárias.

Não jorra mais. Em parte porque a política econômica, é forçoso reconhecer, se esgotou. Em parte porque seus indutores foram pegos em flagrante – alguns deles do mesmíssimo PMDB que o vice-presidente jura ter sido sabotado ao longo do casamento que durou alguns meses e muitos contos de réis.

Temer não parecia assim tão irritado quando resolveu reformar os votos para a eleição de 2014. 

Podia ter dado a benção e seguido um rumo menos decorativo. 

Podia ter se lançado candidato a presidente, por exemplo. 

Ou incensado algum colega. Eduardo Paes, por exemplo. Aquele que pretende deixar a Prefeitura do Rio com um agressor de mulheres. 
Ou o insuspeito Eduardo Cunha. 

Renan Calheiros poderia também pedir passagem na linha sucessória por tempo de serviço prestado. 
Ou Moreira Franco, aparente líder da juventude peemedebista.

Não faltavam opções a Michel Temer para disputar, no voto, o protagonismo que ele jura ter perdido como vice-presidente. Perda de protagonismo que, com toda razão, lhe causa agora, e só agora, tanto repúdio e ressentimento.

Dilma Rousseff, sabemos todos (alguém se espanta?) pela carta de seu vice, tem a habilidade política de um rinoceronte em loja de cristais.

Temer se ressente por não ter sido chamado para as discussões da política econômica.
Por ter sido desvalorizado com a saída de aliados do governo ou com os descasos com as suas indicações para as agências reguladoras.

Por ver descumpridos os acordos costurados no Congresso pela reforma fiscal.
Por ter sido esquecido, nunca entre aspas, nos encontros com o vice-presidente dos EUA e com cardeais do PMDB para decidir nomeações e cortes de ministérios quando todos pediam o enxugamento da equipe.

Por ver criticadas as propostas do PMDB para reconstruir uma ponte em direção ao futuro depois de anos vendo-a desabar sem qualquer franzir de testa.

E por ter seu espírito democrata colocado em xeque após as rodas de conversa despretensiosas com opositores que hoje articulam o impeachment (faltou dizer que a conversa se concentrou nos preparativos para a montagem do presépio no Jaburu; como, afinal, a presidenta ousa desconfiar de interesses pouco republicanos de seu segundo homem na linha sucessória ao se encontrar com os interessados em sua cabeça?).

Descortesia. Desconsideração. Insensibilidade diante das opiniões, indicações e acordos propostos pelo vice-presidente. É disso que se trata a carta de Michel Temer: uma carta aberta sobre como a mesquinharia determina as condições e as implosões das políticas públicas em Brasília. 

Na carta, Dilma é apresentada como uma liderança rude, indelicada e inábil. Como um fracasso político, portanto.

Não deve ser um retrato irreal, mas é bom lembrar que é esta cintura presa a razão de seu naufrágio. Não se sabe exatamente o que a levou a assinar o atestado de inabilidade: se foi por não saber com quem lidava ou se foi justamente por saber e, ainda assim, dobrar a aposta em 2014 em troca de mais visibilidade, mais tempo de TV, mais votos.

A opção pelo pragmatismo manda agora a fatura, em forma de carta, pela deselegância discreta de seus aliados. 

Dilma e seu partido se esqueceram de formar uma base sólida no Congresso para, de dentro para fora, promoverem as reformas estruturais, e não o reformismo, necessárias ao país (a implosão do presidencialismo de coalizão e suas formas de financiamento era só o começo da conversa). Deram de ombros aos movimentos que antes lhe davam sustentação. Ficaram à mercê de conspiradores.

Não quaisquer conspiradores, mas os que esperam o momento de fragilidade política e econômica para manifestar o incômodo. E mudar de barco após cobrar o preço do resgate.

Temer pode ter toda razão em se doer pelos anos em viveu no Planalto como alma penada. Mas esperou a faca chegar à garganta do governo e da presidenta, pelas mãos da oposição e de Eduardo Cunha, para avisar onde o calo doía. A sincronia entre virtù e fortuna, em nossos tempos, tem um ponto de encontro na esquina da mesquinharia. O nome do logradouro é oportunismo.

Em suas cartas recém-transformadas em livro, Fernando Henrique Cardoso já fazia menção honrosa à mendicância protagonizada por Temer e congêneres no Palácio. Tudo começa e termina com a mesma disposição de unificar o país, desde que certas indicações sejam atendidas. Em troca de apoio (e sustentação), criam problemas para vender facilidades.

Nisso até o antipetista mais exalado tem de dar o braço a torcer. Dilma não confiava em seu vice. Nem no PMDB. Alguém mais?

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil