quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Quais recursos cabem do julgamento de Lula no TRF?

A 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF/4.ª Região) julgou, em 24 de janeiro de 2018, a apelação criminal 5046512-94.2016.4.04.7000, interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), como assistente da acusação, e pelos acusados Paulo Tarciso Okamotto, Luiz Inácio Lula da Silva, Agenor Franklin Magalhães Medeiros e José Adelmário Pinheiro Filho (conhecido como “Leo Pinheiro”).

O TRF/4.ª Região é um tribunal de segunda instância da Justiça Federal, com sede em Porto Alegre (RS) e jurisdição nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. É esse tribunal que julga os recursos interpostos contra decisões da 13.ª Vara da Seção Judiciária do Paraná, cujo titular é o Juiz Federal Sérgio Moro e que tem competência para julgar, em primeira instância, os processos do caso Lava Jato no Paraná.

Essa apelação criminal foi interposta contra sentença da 13.ª Vara que condenou o ex-Presidente Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entre outros acusados. O MPF apelou para aumentar a pena de alguns dos réus na ação penal.

A 8.ª Turma negou provimento (indeferiu) por unanimidade ao recurso de apelação dos acusados, na parte que pretendia absolvição deles, e deu provimento (deferiu) à apelação do MPF, para aumentar a pena de alguns deles, entre eles o ex-Presidente Lula. A sentença da 13.ª Vara havia-o condenado a nove anos e seis meses de reclusão, mais multa. A turma aumentou essa pena para doze anos e um mês, mais 280 dias-multa (cada dia-multa no valor de cinco salários-mínimos).

Pela sistemática do processo penal brasileiro, os tribunais de segunda instância, como os TRFs, são a última instância ordinária de julgamento. São eles que têm a função de rever completamente as provas dos processos, ao reexaminar as decisões dos juízes de primeira instância. Os tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), em geral, não podem fazer reexame de provas e fatos discutidos nos processos. São instâncias extraordinárias.

Com esse julgamento, muitos se perguntam quais são os recursos possíveis contra o acórdão da 8.ª Turma. É o que se passa a explicar.

Embargos infringentes

O recurso de embargos infringentes tem a finalidade de gerar rejulgamento de ações criminais, em segunda instância, quando o julgamento: a) for desfavorável ao réu; e b) não for unânime. Portanto, esse recurso só cabe em favor do acusado, nunca em favor da acusação. Além disso, só pode ser interposto se a decisão não for unânime, mas por maioria dos julgadores no tribunal.

É previsto no artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal. O prazo para interpor embargos infringentes é de dez dias, a partir da publicação do acórdão na imprensa oficial. A competência para julgar esse recurso é do próprio tribunal que produziu a decisão, em órgão definido em seu regimento interno.

Como esse recurso tem a finalidade de causar rejulgamento da ação penal, um réu condenado por maioria por uma turma pode vir a ser absolvido.

Esse recurso não é cabível na apelação criminal em que o ex-Presidente Lula foi condenado, porque sua condenação foi unânime na 8.ª Turma.

Embargos de declaração

Embargos de declaração são espécie de recurso destinada, normalmente, a complementar um julgamento. Eles são cabíveis para afastar algum dos seguintes defeitos:

a) ambiguidade: julgamento que tenha duplo sentido e gere incerteza;

b) obscuridade: julgamento difícil de compreender;

c) contradição: julgamento que tenha raciocínios ou afirmações contrários uns aos outros; a contradição deve ser interna do julgamento e não entre algum trecho do julgamento e as provas ou entre o julgamento e normas jurídicas que o recorrente considere terem sido desconsideradas;

d) omissão: julgamento que tenha deixado de levar em conta alguma prova ou argumento jurídico relevante, apontado anteriormente pelas partes.

Como os embargos de declaração se destinam a complementar o julgamento, eles não têm, em geral, o chamado efeito infringente (ou efeito modificativo), isto é, o efeito de mudar as conclusões do julgamento. Apenas em casos muito excepcionais, um juiz ou tribunal pode concluir que o defeito do julgamento, apontado nos embargos de declaração, é tão grave que sua correção pode inverter o sentido da decisão.

Isso ocorre mais frequentemente no caso de omissão. O tribunal pode constatar que deixou de levar em conta uma prova fundamental, capaz de inverter o sentido do julgamento (de condenação para absolvição ou o contrário).

Esses embargos são previstos no artigo 619 do Código de Processo Penal (CPP). O prazo para esse recurso, no processo penal, é de dois dias, contados da publicação da decisão.

A competência para julgar embargos de declaração é do próprio órgão judiciário que produziu a decisão embargada. No caso do ex-Presidente Lula, portanto, será da própria 8.ª Turma do TRF/4.ª Região.

Embora os embargos de declaração não sirvam, em geral, para mudar as conclusões de um julgamento, nos processos criminais eles costumam ter outro efeito importante: o efeito suspensivo da execução provisória da pena. Isso significa que os tribunais não costumam autorizar o início provisório do cumprimento da pena antes de os embargos de declaração serem julgados.

Recurso especial

Depois de julgados os embargos de declaração opostos contra o acórdão da 8.ª Turma, as partes (tanto a acusação quanto os réus) podem interpor dois recursos para os tribunais superiores: o recurso especial e o recurso extraordinário.

Finalidades do recurso especial (REsp) são, basicamente, discutir:

a) contrariedade ou negativa de vigência a lei federal: o recorrente pode alegar que o julgamento aplicou erradamente ou deixou de aplicar uma lei federal relevante para o caso;

b) interpretação diferente de lei federal, no julgamento recorrido, da adotada por outro tribunal: o recorrente pode alegar que, ao julgar o caso, o tribunal adotou interpretação de uma norma federal diferente da adotada por outro tribunal, em situação semelhante (é a chamada divergência jurisprudencial ou dissídio jurisprudencial).

Os casos de cabimento de recurso especial estão previstos no artigo 105, inciso III, da Constituição da República.

O prazo para interpor recurso especial é de quinze dias após publicação do julgamento dos embargos de declaração, por aplicação do artigo 1.005, § 5.º, do Código de Processo Civil (CPC). [O símbolo “§” é lido como “parágrafo”.]

A competência para julgar recurso especial em ações criminais é da 5.ª ou da 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Elas são as duas turmas do STJ que têm competência criminal.

O recurso especial pode ter efeito modificativo de julgamento de ação penal, mudando uma condenação em absolvição ou vice-versa. Também pode reduzir ou substituir penas ou decretar anulação de um processo e determinar que o tribunal inferior o julgue novamente. Esses efeitos, porém, somente podem derivar de um dos casos de cabimento acima citados (ofensa a lei federal ou divergência de interpretação com outro tribunal).

Recurso especial não serve para rediscussão de provas examinadas pelo tribunal inferior. Existe uma súmula do STJ para isso, a súmula 7, que diz: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

O que pode acontecer em matéria de provas no julgamento de recurso especial, em casos não frequentes, é a chamada revaloração da prova. Isso ocorre quando determinada prova é reconhecida pelo tribunal inferior, mas ele lhe dá uma consequência jurídica equivocada. Nesses casos, o STJ pode corrigir os efeitos jurídicos daquela prova.

Em geral, interposição de recurso especial não impede execução provisória da pena aplicada por tribunal regional federal ou tribunal de justiça. O Supremo Tribunal Federal voltou a admitir essa execução provisória (que já aplicava desde a Constituição de 1988) ao julgar o habeas corpus 126.292/SP, em 17 de fevereiro de 2016, em entendimento que reafirmou ao julgar o recurso extraordinário com agravo 964.246/SP, com repercussão geral, em 10 de novembro de 2016, e as medidas cautelares nas ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44 (em decisões ainda não publicadas).

Caso seja interposto recurso especial, a parte contrária é intimada para apresentar contrarrazões. Depois, o vice-presidente do tribunal examina se o recurso é admissível. Se decidir admiti-lo, envia o processo ao STJ. Se não, a parte recorrente pode interpor recurso de agravo de instrumento, o qual é apreciado pelo STJ.

Recurso extraordinário

O recurso extraordinário tem como principal finalidade proteger a Constituição da República. Cabe, portanto, se o recorrente demonstrar que o julgamento do tribunal inferior contrariou alguma norma constitucional, conforme prevê o artigo 102, inciso III, da Constituição.

Seu prazo também é de 15 dias a partir da publicação do acórdão que julgar os embargos de declaração, caso estes sejam opostos. Também se aplica o artigo 1.005, § 5.º, do Código de Processo Civil (CPC). [O símbolo “§” é lido como “parágrafo”.]

A competência para julgar recurso extraordinário é da 1.ª ou da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Em casos excepcionais, o ministro relator do recurso pode decidir levá-lo para julgamento no Plenário do STF.

De forma semelhante ao recurso especial, o recurso extraordinário pode ter efeito modificativo de julgamento de ação penal, mudando uma condenação em absolvição ou vice-versa. Também pode reduzir ou substituir penas ou decretar anulação de um processo e determinar que o tribunal inferior o julgue novamente. Esses efeitos, porém, somente podem ocorrer se o STF, ao julgar o recurso, considerar que houve ofensa a alguma norma constitucional.

Recurso extraordinário, como o recurso especial, também não admite reexame de provas. A súmula 279 do STF esclarece: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”

Quanto à execução provisória de pena criminal no caso de haver recurso extraordinário, aplica-se o mesmo raciocínio exposto para o recurso especial, ou seja, em geral o recurso extraordinário não impede a execução provisória da pena. Alguns ministros do STF, contudo, têm deferido medida liminar para impedir isso, apesar dos julgamentos do Plenário do próprio tribunal.

O processamento do recurso extraordinário é semelhante ao do recurso especial. Uma vez interposto, a parte contrária é intimada para contrarrazões. Se o recurso for admitido, o processo é remetido ao STF. Se não for, o recorrente pode interpor agravo de instrumento.

Medida liminar contra inelegibilidade

Para que o ex-Presidente Lula seja candidato nas eleições de 2018, precisa, como qualquer cidadão brasileiro, preencher os requisitos de elegibilidade, previstos no artigo 14, §§ 3.º a 9.º, da Constituição da República e na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990), atualizada pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010).

No caso de eleição presidencial, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral examinar as condições de elegibilidade no momento do registro da candidatura, como dispõe o artigo 11 da Lei das Eleições (Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997).

Em princípio, condenação por certos crimes, aplicada por tribunal, causa inelegibilidade, de acordo com o artigo 1.º, inciso I, alínea e, da Lei Complementar 64/1990.

O ex-Presidente Lula pode, ao interpor recurso especial ou extraordinário, requerer ao relator suspensão da inelegibilidade, com base no artigo 26-C da Lei Complementar 64/1990.

Os detalhes eleitorais da elegibilidade do ex-presidente, inclusive a possibilidade de ele realizar atos de campanha, são examinados em ARTIGO do Procurador da República Rodrigo Tenório.

Lula condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro